sábado, abril 30, 2011

confissão




pai,
ajoelho-me eu ante ti
sobre estes milhos cozidos
pois se crus fossem doíam
e confesso a ti meu pecado:
eu amo! me perdi!

mãe,
volto-me ao ventre que é teu
pra confessar que, sim, eu
(senta-te e escuta):
logo este filho da puta
ama outro alguém que não tu

deus,
vós que aí estais nesse céu
com anjos e serafins
ouvi tal vil confissão:
gozo de tanta paixão
quereis o senhor ou que não

amor,
vês que confesso meu mal?
vês que nem peço perdão?
se o pai, minha mãe e até deus
dão-me a benção forçada
tu, que eu mais amo, dás nada?

amor,
se ainda insistes na culpa
por minha fingida dor
confesso ao pai, mãe e adeus
que não mereço esse gozo
que só dez graças te deu

amor,
nenhum pecado é eterno
nem toda culpa é de alguém
cobre-me todo de beijos
quando eu te ver na floresta
que eu te prometo estar bem

amor,
confesso é céu cá na terra
não ter e ter-te outra vez
e a verdade mais fecunda:
não amasse eu tanto a tua alma
a maria a tua bunda

.

quinta-feira, abril 28, 2011

mar


és sou em um barquinho engolido pela grande onda de hokusai 
deslizando sobre, mergulhando sob, surfando sobre
a grande e molhada e salgada grande onda de hokusai
a forte e melada e doce devastadora onda, onda de hokusai

és sou amedrontados e firmes ante o poder, o mar e o controle
és sou impotentes ante a natural natureza da tempestade
és sou santa bárbara de caeiro, iansã de terreiro
fantoches e deuses do vento inflamos a grande onda de hokusai

a onda cai sobre o que és sou, a onda tapa os corpos nus
a onda bate e quebra em tu eu, a onda anda as pernas nós
a água entra e sai, vara o teu meu corpos e areia-nos praia
és sou turbilhados, encharcados nós de agás, dos dois e de ós

e o barquinho subimos no cume e o topo e a crista
da grande e majestosa energia em onda, onda, onda, onda, onda
onda.
toca a ponta da língua infinito sublime, a grande onda de hokusai

e em jato d’agua o barquinho parte-se em mil destroços
e a espuma branca cobre e recobre o que és sou
e espalha-se em tu eu em pasta a espuma branca
no teu meu coxas
no teu meu ventres
no teu meu peitos
no teu meu carne entorpecidos
no teu meu corpo desaparecidos

quarta-feira, abril 27, 2011

pra você acordar com isso



de noite
toda noite, cada singular e clara noite
sua ausência e sua presença unidas em aliança me tomam o poder
e me botam (eu me boto) sitiado pelos flancos a escrever
...
se toda noite
escrevo, não é só para si, muito menos nem pra mim
é pra você acordar com isso de manhã
cada manhã, toda singular e clara manhã
...
pela noite
o verso alimenta (dá de comer à) sua transpresença forte
e veste a verdade (o amor) em código público
só pra acordar você com isso de manhã
...
só à noite
só pra mexer com você sem a tocar
só pra retocar a ferida, sem remexer
só pra trocar você por nada mais que isso
...
cada noite, cada noite, cada noite, cada noite
...
é quase manha, é quase mentira
porque sou eu (e não o meu escrever)
quem quer acordar com você de manhã
quem mora do lado de cá do anoitecer


.

domingo, abril 24, 2011

folhas

tocadas pelo vento ou
por vontade própria ou
por qualquer outro motivo
ateu
as folhas
soltam-se da segura árvore e
tomam juntas uma direção
oblíqua
rodopiam juntas
juntas entram pelas janelas
juntas roçam o rosto das pessoas e
o sexo dos animais

o papel das folhas é
mudar de papel
inverter os papéis
subverter pela ordem
oblíqua
da coerência própria

soltamo-nos da segura árvore
voamos ao
sabor do vento
ou quando o vento cessa ao
sabor de outros sabores
por qualquer motivo meu
ateu

entramos pelas janelas
roçamo-nos os rostos e
o sexo dos animais
qualquer motivo
meu é teu
qualquer papel
teu
é uma folha solta