sábado, agosto 20, 2011

espaço


me encontro (sim, me encontro) em uma sala hexagonal
deitado nu em uma meseta de pedra
mas a meseta é fria e me acorda e expulsa de um sono
que eu não sabia que vivia
posto que dormia
e a meseta é fria e me expulsa do deitar nela
estou nu
e meu corpo é o meu único espaço

levanto-me e miro ao redor
descubro em cada uma
em cada uma das seis paredes
descubro uma porta
uma porta entreaberta

está frio na sala
e meu corpo nu quer o calor que eu sei
que há
ou decerto deve haver
dentro das câmaras que as portas
decerto devem guardar

escolho uma parede ao acaso
uma porta ao acaso
ou talvez nem tanto assim ao acaso
pois a primeira porta, a primeira parede
que escolho
é exatamente a última que eu fitava
quando acabei de todas fitar

dirijo-me (sim, dirijo-me) à porta
com alegria, ou esperança, ou firme propósito
pois o que há menos a alegrar-se, a esperar,
o que haverá a me propor menos que
a sala hexagonal fria
que expulsa de nela estar
o meu corpo nu que sente frio,
o meu único e semimovente espaço?

empurro a porta com as mãos bem abertas
palmas contra a porta, palmas à porta
palmas pela porta, palmas para a porta
e abro devagar
não por medo
mas que a porta é pesada
extenuantemente pesada

...

e a porta toda se abre
miro o espetáculo ardente lá dentro
ou o que seria um espetáculo ardente lá dentro
como eu queria
e que eu não via
o que de fato vejo
é assombro
é reacordar, um dessonhar, é reparto
pois que não há espaço
naquele quarto

quisera eu (sim, quisera eu) poder dizer
como jorge luís borges diria
que aquele primeiro quarto que abri, que descobria
convidava-me a desistir da empresa, inútil demais
de abrir os demais
pois o quarto aberto seria hexagonal
e seria frio
e teria no meio uma meseta de pedra fria
e em cada uma de suas paredes
teria uma porta
tal qual aquela
que eu agora abria

mas nada disso tudo é o certo
de tudo isso, o único certo é o nada
pois não era hexagonal o quarto
não havia portas às paredes no quarto
(se é que se entende que havia paredes)
não havia meseta alguma
fria ou quente ou morna, temperatura nenhuma
o quarto simplesmente era nada
se é que era quarto
e tudo o que eu na imagem retinha
era o espetáculo baço
de que no quarto
não havia espaço

.

terça-feira, agosto 16, 2011

Não há pressa



Não há pressa.
uma noite são mil para a senhora
mil noites é uma para a senhora
mais que a luz de meus próprios olhos gosto eu da senhora,
a senhora bem sabe.
mas não se iluda
o gostar não impede, minha senhora
antes o gostar impele
que eu impetuoso invista
sobre suas fraquezas, minha senhora
e com brutalidade avance em si
ainda que lhe causa pasmo
asco, engulho ou frenesi

as vigas que sustentam
essa fortaleza que é a senhora
como que se afastam e
como que abrem campo
para meu equipamento mecânico de demolição
para meu uso controlado da explosão
para meus processos elétricos,
químicos ou de abrasão

as colunas tremem
as colunas dançam
as colunas encimadas de marca negra, minha senhora
rodopiam estrepitosas todo o edifício, como se houvesse
rechacoalham de cima abaixo toda a estrutura, como se ouvisse
música,
música,
música!
(o castelo se mostra e como o castelo que espanta o invasor)

os muros altos e espessos do seu castelo,
minha senhora,
os portões altos e espessos do seu castelo,
minha senhora
inda que malafrontados por caudaloso rio
castelo que mal rodeado em caudaloso rio
repleto de bestas répteis esfomeadas
reduplicadamente débeis em suas bocarras

não esperam que eu galgue a escada
e aéreo os trepasse
não se aguentam da espera ansiosa do meu trespasse
e caem já antes sobre mim seus altos muros
e abrem-se antes sobre mim os altos portões
tal qual bocarras
e prendem-me antes nos dentes os grandes bichos
tal qual amarras

e a mim me engolfam
e a mim me engolem
como se se adiantassem ao golpe final invasivo
e a si mesmo invadisse
e asi mismo entregasse
o sitiado castelo ameaçado por tal tremor
desintegrando,
e ao pó tornando, minha senhora,
um vencido conquistador.



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