sexta-feira, novembro 26, 2010

Quando o amor acaba: o natural e o desumano no humano

O belo-horizontino Paulo Mendes Campos (hoje nome de pracinha carioca junto à rua Humberto de Campos, no Leblon) escreveu uma bela crônica lírica sobre o amor: "O amor acaba". Mas o Paulo, sendo o Paulo, cheio de ternura, mas moleque, irrequieto, não ficaria satisfeito em louvar o amor piegas, ou chorar o amor perdido. O texto instiga leitora e leitor a percorrerem situações e lugares em que o amor desaparece, mas também ressurge, muda de jeito, de nome, muda até de amor. Diz o final da crônica-poema: "por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba".

Mas que amor é esse, tão disposto a acabar? Amor não é para sempre (ao menos enquanto dure, como ensina outro poeta)? Penso que, nesse poema, amor é algo mais fundamental que o amor romântico (ou mesmo parental) que tanto valorizamos, até o ponto de banalização, nos libretos de ópera, nas novelas e nos bailões sertanejos. Essa nossa mania de tornar o amor sublime, cheio de mistérios, dificulta aceitar que amar é mais corriqueiro (e, por isso, mais importante) para nós, humanos, assim como, acredito, para outros seres vivos. Toda criança cresce cuidada por um membro mais velho do grupo. Cuidar da criança acende o amor do adulto e joga a criança em um mundo em que é natural ser amada e, daí, amar. Somos assim, e ficamos doentes se não amamos.

As manifestações de preconceito ativista, de pregação política do não-amor a alguns grupos da sociedade, nos ensinam a ficar desnecessariamente doentes. As últimas eleições foram pródigas nessa matéria. Ódio aos pobres, analfabetos, índios, negros, a grave questão de saúde pública - o aborto - rebaixada a disputa de rancores morais.

Eleitores descontentes com as urnas demonizaram os nordestinos, imaginando um Brasil dividido entre uma atrasada e iletrada zona vermelha ao Norte, e uma próspera e ilustrada zona azul ao Sul. Os números desmentem essa bobagem, mas, mesmo se fosse verdade, que doença é essa que nos faz desamar ativamente quem vive ou pensa diferente de nós? Sempre há um exemplo que supera a mais desvairada imaginação. A Universidade Mackenzie, de São Paulo, quer agora ter o direito de "ser homofóbica". Entendido? A instituição, responsável pela educação de sei lá quantos mancebos, quer não apenas desamar os homossexuais (que isso é direito de qualquer um), mas pregar o desamor, um desamar militante, digamos. Tal como o adulto, a escola tem um papel cuidador em relação às crianças e jovens. Aqui, só consigo ver doença e, o que é pior, doença ensinada.

Se a ciência ajuda numa hora dessas, cito o biólogo chileno Humberto Maturana, que explica o amor como uma emoção fundadora do domínio social. Ele diz: "O amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social". Não é? Acho até que o amor romântico - que cultivam entre si homem e mulher, ou, como não sabe a universidade paulistana, outras combinações de gênero - é alma gêmea do amar como fundamento do social. Mesmo quando o amor acaba. Eu mesmo vivo neste momento uma desilusão amorosa das mais perturbadoras em minha vida, e isso, do amor acabar, não me turva o desejo de amar. Pois nós, humanos (e outros seres vivos, acredito), somos assim. Naturalmente aptos para amar e acabar de amar, a cada minuto.


Publicado em O Tempo, 20/11/10 - Ilustração: Duke

Nenhum comentário: